Eu posso falar “os livro”?

Nos últimos dias, manchetes como “Livro adotado pelo MEC defende falar errado” povoaram jornais, revistas, emissoras de TV, de rádio, portais de notícia. Mas na verdade tudo não passou de um grande exagero midiático. Quando folheamos o livro “Por uma vida melhor”, da professora Heloísa Ramos, descobrimos que se trata apenas de mais um livro de língua portuguesa, como todos os outros, com enfoque no ensino da norma culta. O problema é que em determinado trecho a autora fez a seguinte reflexão:

Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar 'os livro'?” Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.

E foi baseada nesse trecho que a mídia fez um grande estardalhaço, a ponto de dizer que o livro defendia o ensino errado de português. Mas basta uma mediana capacidade de interpretação de texto para descobrir que isso não é verdade. O que a professora Heloísa aborda no fragmento em questão é a ideia de heterogeneidade linguística, a de que uma língua é composta de mais de uma variedade, e não apenas da norma culta, a ensinada nas escolas e em livros como “Por uma vida melhor”. É verdade que a professora Heloísa poderia ter se expressado melhor, ter usado uma redação que não permitisse essa interpretação equivocada de alguns. Mas é uma grande injustiça, pelo que está no trecho reproduzido, dizer que ela defende o “ensino errado”.

Convém dizer que o preconceito linguístico, combatido pela professora Heloísa Ramos no texto mal interpretado por alguns, não é exclusividade da língua portuguesa. Isso ocorre em todas as línguas que não são homogêneas. Na língua de Shakespeare, por exemplo, americanos e britânicos brigam pelo título de "quem fala o melhor inglês". No fim das contas, o que importa é a capacidade comunicativa. E isso implica o domínio das variedades de uma língua. Ou seja, num registro formal, uso a norma culta; num registro informal, eu uso a variante popular. Isso se chama competência linguística. E infelizmente, no Brasil, essa competência, esse domínio de variedades, é muito raro.

Ao fim e ao cabo, é muita polêmica por muito pouco. O cerne da questão, no que se refere ao ensino de língua portuguesa, é outro: o que fazer para melhorar o que hoje é muito ruim? Não é difícil. O sucesso desse ensino depende de fatores como a intensificação da leitura, da produção de textos, da prática de atividades que enfatizem a modalidade falada da língua (debates, teatro, produção de programas de rádio no ambiente escolar, etc.). E, principalmente, da valorização do professor. Algo muito simples e exequível, mas que no Brasil, graças aos que detêm o poder, parece ser uma utopia.

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