Uma lei, duas leituras

O presidente Lula sancionou na semana passada o Projeto Ficha Limpa e agora é lei: político com ficha suja não pode disputar eleição.

Antes da aprovação, muita polêmica marcou o projeto.

Uma, em especial, chamou a nossa atenção.

A primeira redação do Ficha Limpa dizia que eram inelegíveis para qualquer cargo “os que tenham sido condenados”.

Alteraram o texto e, no lugar de “os que tenham sido condenados”, ficou “os que forem condenados”.

Os mais atentos viram nisso uma manobra, pois entenderam que, pelo primeiro texto, com o verbo no passado, estavam impedidos de disputar eleições todos os políticos condenados, até mesmo os que o foram antes da vigência da lei.

Pela segunda redação, a história seria outra: com o verbo no futuro, estariam impedidos apenas os condenados após a promulgação da lei.

Estarão certos os que pensam assim?

Em parte.

De fato “os que forem condenados” é futuro.

Mas isso é só uma das interpretações.

Há outra: “for” é verbo de ligação e “condenado”, além de particípio de verbo, é adjetivo.

Logo, “os que forem condenados” pode também ter o sentido de “os que forem políticos condenados”.

É muito válida a segunda interpretação, principalmente porque a estrutura do texto não remete ao futuro condicional.

Este é o caso de “Se ele for condenado, não assistirá ao casamento da filha”, em que a conjunção “se” deixa clara a ideia de condição futura.

É bem diferente de “Sigam-me os que forem honestos!”

O verbo está no futuro, mas a relação da frase é predicativa, ou seja, “forem” está ligando o sujeito a um atributo deste.

Por outras palavras, vão me seguir os indivíduos que são honestos agora, e não os que virão a ser.

A mesma relação predicativa pode ser vista na polêmica frase do Ficha Limpa.

Conclusão: é muito simplismo dizer que “os que forem condenados” é futuro.

É melhor dizer que a frase tem duplo sentido.

E se o legislador quiser, baseado em um desses sentidos, ele pode sim proibir a candidatura de todos os políticos com ficha suja.

Publicado na coluna "Com todas as letras", Jornal do Commercio do Recife, em 9/6/2010.

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